Imunidade e Isenção Tributária das Federações Esportivas de Futebol – Natureza Associativa e Requisitos para Reconhecimento Fiscal

A imunidade tributária das federações esportivas é um tema de elevada relevância jurídica e social, especialmente pelo papel das entidades no fomento e na organização do desporto, em estrita consonância com o dever constitucional de promoção das práticas desportivas, previsto no artigo 217 da Constituição Federal.

Todavia, observa-se, com crescente frequência, a propositura de execuções fiscais por parte de Municípios, muitas vezes em descompasso com as normas constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis, o que compromete a função social que as federações desempenham.

Ocorre que, do ponto de vista jurídico, a relação estabelecida entre a federação e os clubes desportivos enquadra-se como natureza associativa, nos termos do artigo 52 do Código Civil, aplicando-se lhe as disposições gerais das pessoas jurídicas de direito privado.

É certo que a classificação é fundamental para a análise tributária, pois associações sem fins lucrativos podem usufruir da imunidade prevista no artigo 150, VI, “c”, da Constituição da República, desde que atendidos todos os requisitos legais.

No mesmo sentido, o artigo 14 do Código Tributário Nacional define sobre as condições essenciais para fruição dessa imunidade, que são:

  1. Proibição de distribuição de qualquer parcela do patrimônio ou das rendas a dirigentes, associados ou terceiros;
  2. Aplicação integral das receitas na manutenção e no desenvolvimento dos objetivos institucionais;
  3. Escrituração contábil regular.

O reconhecimento administrativo ou judicial da imunidade/isenção não se sustenta pela mera declaração de ausência de fins lucrativos, sendo imprescindível a perfeita compatibilidade entre:

  1. Atividade-fim – Voltada efetivamente à promoção do desporto, conforme previsto no estatuto social;
  2. Estatuto social – Contendo cláusulas claras que vedem a distribuição de lucros, determinem a aplicação integral das receitas na atividade-fim e exijam escrituração contábil regular;
  3. Legislação tributária municipal – Observando-se as hipóteses específicas de isenção (como IPTU e ISS) e as exigências documentais para a concessão ou renovação do benefício.

Assim, para evitar a descaracterização da natureza associativa e a equiparação à atividade empresarial, a federação deve se abster de:

  • Comercialização de ingressos para jogos profissionais;
  • Desvio de receitas para finalidades alheias aos objetivos estatutários;
  • Destinação de recursos para fins pessoais de dirigentes, familiares ou terceiros;
  • Utilização de receitas para atividades político-partidárias ou estranhas ao desporto.

Ressalte-se que a transformação de uma federação de futebol atualmente contribuinte de determinado imposto em uma instituição isenta configura legítimo trabalho de planejamento tributário, desde que realizado dentro dos parâmetros legais.

Nesse contexto, é fundamental diferenciar elisão tributáriaprática lícita de organização das atividades e da forma jurídica para reduzir a carga tributária — de evasão fiscal, que consiste na supressão ou redução de tributo mediante condutas ilícitas, sujeitando-se a sanções administrativas, civis e penais:

STJ – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AREsp 1368243 PR 2018/0249656-0 – Jurisprudência Decisão publicado em 06/03/2019

Inteiro teor: Trata-se de elisão fiscal, planejamento tributário válido, mas não para fins de imunidade tributária, cujo escopo é o incentivo à livre iniciativa (artigo 170 , CF ) (…)

Considerada, ainda, a premissa de que houvera tentativa de elisão fiscal, deve-se ratificar que a situação fática descrita pelo Tribunal de Justiça não permite, em juízo de revaloração, o entendimento

Fatos: O caso trata do agravo interposto por uma empresa contra a decisão que inadmitiu recurso especial relacionado ao reconhecimento da imunidade tributária do ITBI em uma transmissão de imóveis para integralização de capital social. A empresa argumenta que atendeu aos requisitos legais para a imunidade, contestando a exigência do Tribunal de Justiça de que a destinatária não fosse uma holding patrimonial. O Tribunal, por sua vez, fundamentou sua decisão na interpretação restritiva da imunidade tributária, afirmando que a constituição da sociedade visava a blindagem patrimonial, não atendendo ao propósito de incentivo à atividade produtiva. (Grifos nossos)

Ementa: Apelação. Embargos à execução fiscal. IPVA. Lançamento pelo Estado de São Paulo. Autor que possui domicílio no Estado do Mato Grosso do Sul, que escolheu para ser o domicílio fiscal de seu veículo, tendo inclusive realizado o pagamento do tributo para aquele ente. Código Tributário Nacional admite a escolha do domicílio fiscal, no caso de pluralidade de domicílios. Caso de elisão fiscal e não de fraude. Sentença mantida. Recurso desprovido. (Grifos nossos)

(TJ/SP – AC 119003820138260482 SP 0011900-38.2013.8.26.0482. Acórdão publicado em: 14/07/2022)

Informa-se, ainda, que o pleito de imunidade ou isenção tributária deve ser instruído estrategicamente, com análise atenta do estatuto social, da efetiva prática das atividades institucionais e da legislação tributária municipal vigente.

Com o alinhamento é possível assegurar segurança jurídica, preservar recursos da entidade e direcioná-los ao desenvolvimento do esporte, em conformidade com a função social protegida pela Constituição.

Por fim, registre-se que, em caso de indeferimento administrativo, a esfera judicial permanece disponível para o reconhecimento do direito à imunidade ou à isenção, mediante a devida comprovação dos requisitos legais.

Autor: Luiz Cláudio França – Advogado. Sócio do LCF Advogados Associados.

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